Os Estados concedem benefícios fiscais de ICMS a favor de determinada categoria de atividade e de contribuinte, tais como isenção, diferimento e redução da base de cálculo, visando a redução da carga tributária incidente nas operações praticadas que envolvam a circulação de mercadorias e serviços.
Esses benefícios fiscais são chamados de créditos presumidos, que possuem a finalidade de trazer vantagens tanto para as empresas quanto para os Estados. Os contribuintes se beneficiam com a redução da carga tributária de mercadorias essenciais à sociedade e a possibilidade de investir em estratégias para o crescimento do seu negócio. Já os Estados, ao oferecerem incentivos fiscais para atrair empresas para a sua região, asseguram o desenvolvimento da economia local.
Ocorre que a União Federal exige que os créditos presumidos de ICMS previstos nas legislações estaduais e utilizados pelos contribuintes sejam adicionados à base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL) contrariando frontalmente o conceito de acréscimento patrimonial definido pelo Supremo Tribunal Federal.
O artigo 46[i] do Código Tributário Nacional estabelece que o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição de renda e proventos, ou seja, a obtenção de lucro.
Portanto, o fato gerador do IRPJ e da CSLL deve corresponder à renda que configure acréscimo patrimonial/lucro do contribuinte.
Importa salientar que ao exigir que o crédito presumido de ICMS seja incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, contrariando o conceito de renda e lucro, a União Federal está tributando e retirando o benefício fiscal concedido pelos Estados, conforme sublinhado pela Ministra Regina Helena Costa:
Com a devida vênia, ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.[ii]
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar em sede de repercussão geral o RE 574.706/PR[iii], definiu que o valor de ICMS não incorpora o patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.
Dessa forma, a Corte Constitucional estabeleceu que somente incidirá tributos sobre a renda e valores que correspondam ao lucro da empresa, ou seja, não poderá compor a base de cálculo de outros tributos.
Em face deste entendimento, os créditos presumidos de ICMS devem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, visto que não configuram acrescimento patrimonial.
Leandro Paulsen[iv] afirma que nem todo ingresso financeiro deflagra o fato gerador do IRPJ/CSLL, por conseguinte, meros ajustes contábeis (crédito presumido de ICMS) não podem ser considerados ingresso patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento Embargos de Divergência em RESP n. 1.517.492/PR, reconheceu o direito dos contribuintes determinando que os créditos presumidos de ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.
I – Controverte-se acerca da possibilidade de inclusão de crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
(...)
XII – O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceito legais, aumentando o preço final dos produtos que especifica, integrantes da cesta básica nacional.
XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XIV – Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/09, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços. XV – O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.
XVI – Embargos de Divergência desprovidos
Portanto, os créditos presumidos de ICMS, concedidos no contexto de incentivo fiscal pelos Estados, não podem integrar a base de cálculo do IPRJ e da CSLL.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região segue a orientação adotada pelo STJ, trazendo importante contribuição sobre no tema no julgamento do processo n. 5019562-78.2017.4.04.7205:
O incentivo fiscal concedido por meio de crédito presumido de ICMS não constitui receita tributável e, via de consequência, também não pode ser contemplado para apuração do lucro da pessoa jurídica.
Isto porque cuida-se de renúncia fiscal efetuada pelos Estados-Membros, a fim de incentivar o desenvolvimento de determinados setores da economia, gerando importantes reflexos financeiros e sociais para o desenvolvimento do próprio Estado.
Com efeito, se os créditos presumidos de ICMS não constituem receita da pessoa jurídica, a tributação não pode incidir sobre uma base superior às reais manifestações de capacidade econômica da empresa impetrante.
Ademais, permitir o seu enquadramento no conceito de receita, para fins de incidência das aludidas exações, implicaria admitir que a União interferisse, com a tributação, em matéria privativa dos estados, limitando a eficácia do benefício fiscal oferecido pelo Estado.
De fato, a incorporação do crédito presumido à base de cálculo dos tributos federais acarreta um desfalque em seu valor numérico, na medida em que uma parcela das importâncias ressarcidas será amealhada aos cofres da União Federal.
Nesse contexto, tem-se que os valores provenientes do crédito presumido de ICMS não podem ser alcançados pelo IRPJ e pela CSLL, pois não constituem renda, lucro ou acréscimo patrimonial.
Recentemente a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[v] sedimentou de maneira unânime o entendimento de que há fundamento legal para a exclusão de créditos presumidos de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Nessa esteira, o reconhecimento do direito do contribuinte de excluir os créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL está em sintonia com o conceito definido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 574. 706/PR, de que a receita bruta corresponde aos valores que acrescem o patrimônio da empresa.
Por fim, a coerência, que deve nortear o sistema tributário, não permite que os créditos presumidos de ICMS, benefícios fiscais que têm o objetivo de alavancar a economia regional e implicam perda de receita dos Estados, possam gerar enriquecimento da União ao serem adicionados à base de incidência do IRPJ e da CSLL, devendo os créditos presumidos de ICMS serem excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
[i] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
[ii] Embargos de Divergência em RESP n. 1.517.492/PR – Dje 01/02/2018.
[iii] RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. (RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017).
[iv] Constituição e Código Tributário Comentados: A Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 18ª Ed., 2017, pg. 781.
[v] Processo n. 11080.731977/2013-79
Fonte:
Por Anelise Flores Gomes, Advogada da Machado Schütz & Heck Advogados Associados.
Publicado em 29/05/2019
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