sábado, 4 de abril de 2020

Sentença Paulista reconhece a inexigibilidade da multa adicional de 10% do FGTS

A Machado Schütz e Heck – Advogados Associados obteve, recentemente, sentença favorável em Mandado de Segurança ajuizado em nome de rede de supermercados paulista, visando à obtenção do reconhecimento da inexigibilidade do crédito tributário relativo à contribuição social geral de que trata o Artigo 1º da LC nº 110/2001, consubstanciada no adicional de 10% à multa já devida de 40% ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.

A referida contribuição é considerada pelo Fisco devida pelo empregador na hipótese de demissão sem justa causa de seus empregados, calculada à alíquota de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. Isso até o advento da Lei nº 13.932/2019, que a extinguiu a partir de 1º de janeiro de 2020.

Dessa forma, a decisão concessiva da segurança declara a inexistência de relação tributária que obrigue a empresa a recolher a contribuição, ficando assegurado o seu direito de compensar os valores indevidamente recolhidos, com observância da prescrição quinquenal, retroativamente à data do ajuizamento da ação, especialmente pela acolhida dos fundamentos de que houve exaurimento e desvio de sua finalidade.

O julgamento é uma raridade no Poder Judiciário Nacional, que até então havia exarado pouquíssimos posicionamentos favoráveis quanto à discussão. No entanto, a tendência é que o entendimento que levou à introdução da Lei de extinção da contribuição do sistema também seja aplicável ao período anterior a 2020, por meio da judicialização da matéria.

Leia: MP extingue multa adicional de 10% do FGTS que ia para União

Fonte: Publicado em 11/02/2020 por Gleirice Machado Schütz, Advogada da Machado Schütz e Heck Advogados Associados.

SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA DO ICMS E AS IRREGULARIDADES LATENTES NA COBRANÇA DA DIFERENÇA ENTRE O VALOR PAGO ANTECIPADAMENTE E A OPERAÇÃO PRATICADA

A Constituição Federal hoje em vigor autoriza a sistemática da substituição tributária, nos termos previstos no § 7º do artigo 150, onde prevê a possibilidade de a lei atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador.

Quando fora implementada, no entanto, surgiram discussões acerca da sua manutenção viável no sistema jurídico ou não, sobretudo por ter sido criada sob um único pretexto, facilitar a arrecadação tributária pelo Fisco Estadual.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a sistemática da substituição tributária para frente, firmando o entendimento de que o fato gerador do ICMS-ST ocorria de forma definitiva com a realização da operação comercial pelo substituto tributário, na ADI 1851, na relatoria do Ministro Ilmar Galvão, julgado em 08/05/2002.

Então, debruçando-se ainda mais sobre o assunto, o contribuinte passou a questionar o alcance da expressão “caso não se realize o fato gerador presumido”, prevista no § 7º do artigo 150 do Texto Constitucional, defendendo que a venda a consumidor final realizada por valor inferior ao preço presumido para o cálculo do ICMS-ST equivaleria a não realização do fato gerador presumido.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a Repercussão Geral da matéria sob o Tema nº. 201, e acabou por revisar o seu entendimento anterior, entendendo “devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

Ainda que nítido e claro o posicionamento do STF, o Estado tentou revertê-lo a seu favor para abarcar as hipóteses inversas, ou seja, pela via recursal inapropriada dos embargos de declaração, pretendeu reconhecimento de que, quando a operação ocorresse à base maior, teria também o direito de cobrar a diferença, então, novamente, o Supremo veio à pauta e ratificou seu posicionamento, no RE 593849: “Não há omissão na súmula da decisão, por não abarcar os casos em que a base presumida é menor do que a base real, porquanto se trata de inovação processual posterior ao julgamento, não requerida ou aventada no curso do processo. De todo modo, a atividade da Administração Tributária é plenamente vinculada ao arcabouço legal, independentemente de autorização ou explicitação interpretativa do Poder Judiciário, nos termos do art. 3º do CTN.”

As definições havidas pelo STF se revestem de exponencial importância, eis que reconhecem a constitucionalidade da sistemática da substituição tributária para frente e o direito dos contribuintes à restituição da diferença do ICMS-ST pago a mais sempre que a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. Repita-se, apenas quando a base for inferior à presumida, foi isto que o Supremo afirmou!

Ocorre que, após a publicação deste o acórdão, o Estado do Rio Grande do Sul, persistindo no mesmo erro, institui novas normas através da Lei nº 15.056/2017, a qual, a pretexto de dar cumprimento à decisão da Suprema Corte, autorizou a criação de um sistema para o ressarcimento do ICMS nas hipóteses em que o preço praticado na operação à consumidor final seja inferior à base de cálculo utilizada para o cálculo do débito de responsabilidade por substituição tributária.

Contudo, além de estabelecer tal sistemática, o Estado, transbordando dos limites previstos na Constituição Federal, na Lei Kandir e no próprio acórdão do Tema 201 do STF, autorizou a criação de hipótese inversa na cobrança de ICMS complementar, ou seja, naquelas em que o preço praticado na operação a consumidor final seja superior à base de cálculo utilizada para o cálculo do débito de responsabilidade por substituição tributária.

Ato contínuo, no ano de 2018, foi editado o Decreto nº. 54.308/2018 (06/11/2018), impondo ao contribuinte o “ajuste” do ICMS nos casos de substituição tributária, determinando que faça uma apuração mensal em separado das operações com mercadorias sujeitas ao ICMS-ST, comparando o valor da base de cálculo presumida e o valor de venda, para proceder ao recolhimento do imposto complementar ou compensar o crédito decorrente desta apuração.

Por fim, visando operacionalizar as novas hipóteses criadas, em 13/11/2018, foi publicada a Instrução Normativa nº 48/2018, com uma série de novas obrigações acessórias com vistas a viabilizar a fiscalização desta nova apuração paralela das operações realizadas com mercadorias sujeitas à substituição tributária.

Ocorre que essa sistemática de ajuste do ICMS-ST não tem amparo em fundamento constitucional e legal, eis que não há previsão no texto constitucional, nem mesmo na Lei Complementar nº 87/96, para a cobrança de ICMS complementar nas hipóteses em que o preço praticado na operação a consumidor final seja superior à base de cálculo utilizada para o cálculo do débito de responsabilidade por substituição tributária.

Depois, nitidamente, o STF não se referiu às hipóteses em que a operação real é superior à presumida na sistemática de substituição tributária, quando determinou que o ICMS recolhido a maior fosse restituído ao contribuinte.

É latente, portanto, o direito líquido e certo que alberga o contribuinte, podendo socorrer-se do Poder Judiciário com o fim de barrar a imposição de cobrança a maior de ICMS complementar, na via da substituição tributária, oriunda da diferença da base de cálculo presumida, para recolhimento deste imposto na etapa de compra da mercadoria e o efetivo/real preço de revenda praticado, bem como a restituição dos valores pagos indevidamente neste sentido, tudo com base, sobretudo, na decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 593.849/MG.

Ademais, de quem o Estado pretende cobrar esta diferença?
Do substituído, é ele quem vai ter que declarar as bases de apuração MVA e da operação real e recolher esta diferença, mas como, se sequer participou da relação tributária!?
Quem recolheu o ICMS-ST foi o substituto, que é o único sujeito passivo com o dever legal de recolher o tributo.

O substituído não participa do vínculo jurídico nascido da incidência na modalidade de substituição tributária, cuja obrigação se estabelece exclusivamente entre o Estado e o SUBSTITUTO.
Inclusive, em importante julgamento do STJ no processo - REsp 931.727/RS, onde foi Relator o Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, colaciona obra jurídica escrita pelo saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker, onde esclarece:

“9. Outrossim, ressalvando-se o entendimento de que a obrigação tributária admite a sua dicotomização em débito (shuld) e responsabilidade (haftung), merece destaque a lição do saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker, segundo o qual inexiste relação jurídica entre o substituído e o Estado:
"145. Embriogenia e conceito de substituto legal tributário (...) A fenomenologia jurídica da substituição legal tributária consiste, pois, no seguinte: Existe substituto legal tributário toda a vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário.
(...) 149. Natureza da relação jurídica entre substituto e substituído (...) Todo o problema referente à natureza das relações jurídicas entre substituto e substituído resolve-se pelas três conclusões adiante indicadas. O fundamento científico-jurídico sobre o qual estão baseadas as três conclusões foi exposto quando se demonstrou que a valorização dos interesses em conflito e o critério de preferência que inspiraram a solução legislativa (regra jurídica) participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados, nem suavizados pelo intérprete sob o pretexto de uma melhor adequação à realidade econômico-social.

As três referidas conclusões são as seguintes:
Primeira conclusão: Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.

Segunda conclusão: Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído).

Terceira conclusão: O substituído não paga 'tributo' ao substituto. A prestação jurídica do substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do substituto, não é de natureza tributária, mas, sim, de natureza privada.

(...) 150. Inexistência de relação jurídica entre substituído e Estado A inexistência de qualquer relação jurídica entre substituído e Estado é conclusão que decorre facilmente das duas premissas já analisadas. Primeira: embriogenia e conceito do substituto legal tributário. Segunda: natureza da relação jurídica entre substituto e substituído.(...)" (Alfredo Augusto Becker, in "Teoria Geral do Direito Tributário", Ed. Noeses, 4ª ed., 2007, São Paulo, págs. 581/586 e 595/601)”

Assim, o entendimento firmado em Recurso Repetitivo pelo E. STJ é de que o substituto é o único e exclusivo responsável legal pelo recolhimento do ICMS-ST. Ou seja, de fato e de direito, o ICMS-ST é devido e recolhido pelo SUBSTITUTO em nome próprio (embora economicamente em favor de toda a cadeia até o consumidor final).

O contribuinte substituído é excluído da relação obrigacional tributária, na qual normalmente estaria inserido, dando lugar ao contribuinte substituto, que responde, no lugar dele, contribuinte substituído, pela obrigação tributária de calcular e recolher o tributo relativo ao correspondente fato gerador.

Por conseguinte, como pode o Estado pretender cobrar a pretensa diferença de ICMS-ST do substituído, se este sequer participou da relação jurídico-tributária, o adquirente (substituído) não poderá ser incluído, descaracterizando plenamente a substituição tributária.

Então, mais uma vez, é preciso ter reflexão e cuidado acerca das relações que permeiam a convivência entre Estado e contribuinte, entre Estado e cidadão, para que a sociedade possa realmente caminhar para o crescimento de que tanto precisa, não é assim que vai salvar o orçamento público, precisa ter muito mais cautela e sensatez!

Fonte:Por Juliana Sarmento, Coordenadora do Núcleo Contencioso e Consultivo Tributário da Machado Schütz & Heck Advogados Associados.
Publicado em 28/02/2019

A EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS E OS REFLEXOS DA DECISÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 574.706

Tema que tem sido objeto de muitos debates no cenário nacional, trata dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à “Exclusão do ICMS da base de Cálculo do Pis e da Cofins”.

Tal discussão que traz como questão nuclear saber se o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços compõe o conceito de faturamento ou não, para fins de composição da base de cálculo - faturamento - do Pis e Cofins, aguardou por mais de 15 anos uma resposta do Judiciário, que veio a ser dada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, em 15 de março de 2017, pelo plenário da Corte Suprema.

Ocorre que, mesmo após referido julgamento a definitividade da decisão proferida no Recurso Extraordinário acima mencionado tem suscitado inúmeros debates entre tributaristas, contadores e administradores.

Importa neste prisma, destacar que a decisão do STF foi proferida em repercussão geral.

Pois bem, a primeira premissa a ser analisada no presente caso certamente passa pela análise de quais efeitos uma decião proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em status de repercussão geral, traz ao mundo jurídico.

Cabe neste sentido, então, a conceituação do que representa a Repercussão Geral.

Este instituto, inovação de substancial relevância para a segurança jurídica das decisões emanadas no judiciário brasileiro, foi trazida e consolidada na reforma do Código de Processo Civil de 2007, tendo como pano de fundo e principal objetivo a uniformização do julgamento de temas com representatividade nacional, visando trazer uma resposta definitiva à sociedade às discussões judicializadas e julgadas com este status.

Assim, quando um recurso extraordinário é submetido a julgamento pelo plenário do STF em repercussão geral, finalizado o julgamento de mérito da causa há de se ter este como definitivo, nos limites estabelecidos no acórdão proferido pelos ministros da corte, trazendo vinculação imediata no mundo jurídico. Não poderia ser diferente, pois ao ser criada – repercussão geral - buscou trazer aos julgamentos do judiciário não somente eficiência, mas segurança jurídica aos temas a ela submetidos, segurança esta que deve trazer um caráter definitivo.

Este caráter definitivo pode melhor ser entendido nos termos do artigo 1.040, e incisos, do Código de Processo Civil, que nos prescreve o seguinte:

“Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.”

O ilustre tributarista e parecerista Kiyoshi Harada, ao escrever artigo sobre “Efeitos do Recurso Extraordinário com Reconhecimento de Repercussão Geral”, traz importante contribuição sobre o tema ao afirmar que há “uma nítida tendência da doutrina e da jurisprudência em conferir eficácia ultra-autos à decisão de mérito proferida pelo STF declarando a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de determinada norma legal, substituindo a outrora vigente teoria da subjetivação do Recurso Extraordinário pela teoria da objetivação desse recurso, buscando a antecipação do efeito vinculante de suas decisões em matéria de controle de constitucionalidade pelo sistema de controle difuso. Afinal, não há diferença de ordem substancial entre a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma pelo sistema de controle concentrado e abstrato, e aquela que resulta da declaração incidentum tantum, salvo o procedimento que difere num e noutro caso. Seria um desperdício de tempo e de recursos financeiros os órgãos da Receita Federal do Brasil e órgãos equivalentes nas esferas estaduais e municipais continuarem, por exemplo, autuando os contribuintes por falta de pagamento de tributo considerado inconstitucional pelo STF em sede de Recurso Extraordinário onde se reconheceu a Repercussão Geral. Seria levar às últimas consequências o formalismo da suspensão da norma fulminada pela Resolução do Senado Federal. E isso, certamente, não consultaria ao interesse público que deve ser aferido à luz do princípio da razoabilidade. Entre a comunicação da decisão de inconstitucionalidade expedida pela Corte Suprema e edição da Resolução do Senado Federal suspendendo a norma considerada inconstitucional, salvo prevaricação da autoridade legislativa, não deve decorrer muito tempo.”

Em tratando-se de matéria tributária, nota-se que, tecnicamente, o posicionamento fixado pelo STF em repercussão geral não está adstrito à confirmação ou revisão por qualquer outro órgão, seja ele administrativo no âmbito das fazendas federal, estadual ou municipal, ou ainda, pelos órgãos inferiores do judiciário, representado pelos tribunais regionais federais ou tribunais de justiça. Hierarquicamente, a decisão da Corte Suprema do Judiciário está uníssona no topo mais alto da pirâmide, e daí, seu substancial caráter de definitividade.

No caso do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins, após o julgamento do Recurso Extraordinário de nº 574.706, finalizado em 15.03.2017, o STF firmou o tema 69 consignando expressamente que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins", sendo lavrada em 16.03.2017 a certidão de julgamento referente à sessão do Plenário.

Não se desconhece que diante deste julgamento a União Federal apresentou o recurso denominado Embargos de Declaração, onde busca com fundamentos legais vazios a modulação de efeitos da supra decisão.

Com uma análise perfunctória do contexto formado no recurso extraordinário citado, há uma conclusão muito clara de que, tecnicamente, torna-se impossível a probabilidade de qualquer modificação do julgamento proferido no RE 574.706, frente ao conteúdo trazido nos votos dos ministros julgadores, em especial da ministra Carmen Lúcia, que espancou o estudo da matéria, pautada unicamente na ótica da constitucionalidade. Desta forma, não existe substrato técnico para acolhimento do Embargos de Declaração propostos pela União.

Cabe ressaltar, também, que o pedido de modulação de efeitos não pode ser acolhido pelo quesito “histórico de posicionamento” do STF sobre a matéria, pois o tema em testilha já havia sido enfrentado em outubro de 2014 no julgamento do recurso extraordinário nº 240.785, onde por relatoria do ministro Marco Aurélio de Melo já restara definido o posicionameto no plenário da corte, pela exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins. Outrossim, não cabe à União a alegação de previsão orçamentária, pois este RE já sinalizava, lá no ano de 2007, uma vitória do contribuinte, e somente agora, o Governo Federal vem atentar-se para o impacto no orçamento?

Reitera-se taxativamente o caráter definitivo da conclusão deste tema no judiciário, corroborado já por inúmeras manifestações do próprio Supremo Tribunal Federal, após o julgamento do leading case em março de 2017.

Tal pode ser verificado no RE 463.152, decisão publicada em 17/03/2018, de relatoria do ministro Marco Aurélio de Melo:

“DECISÃO COFINS E PIS – BASE DE CÁLCULO – ICMS – EXCLUSÃO – PRECEDENTES: RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 240.785/MG, PLENO, RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, ACÓRDÃO PUBLICADO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA DE 8 DE OUTUBRO DE 2014 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 574.706/PR, PLENO, RELATORA MINISTRA CARMÉN LÚCIA, ACÓRDÃO PUBLICADO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA DE 2 DE OUTUBRO 2017 – PROVIMENTO.
Afasto o sobrestamento anteriormente determinado. Conforme consignado, a sistemática prevista no artigo 1.040, do Código de Processo Civil, determina, a partir da publicação do acórdão paradigma, a observância do entendimento do Plenário, formalizado sob o ângulo da repercussão geral.
O Supremo, no recurso extraordinário nº 240.785/MG, de minha relatoria, concluiu, em 8 de outubro de 2014, o julgamento da controvérsia versada neste processo, proclamando, por maioria de votos – 7 a 2 –, a não inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da COFINS. O entendimento foi confirmado pelo Pleno, sob o ângulo da repercussão geral, quando do exame do recurso extraordinário nº 574.706-9/PR, relatora a ministra Cármen Lúcia. Na sessão de 15 de março de 2017, foi aprovada a seguinte tese “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”. Eis a síntese do acórdão, publicado no Diário da Justiça de 2 de outubro de 2017: (…)
Provejo o extraordinário para determinar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, reconhecendo ainda o direito de a contribuinte reaver, mediante compensação, os valores já recolhidos e não prescritos, devidamente corrigidos. Sob o ângulo da atualização, observem o mesmo índice utilizado pela Receita na cobrança do tributo. Ficam invertidos os ônus da sucumbência. (…)” (RE 463152, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 19/03/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 26/03/2018 PUBLIC 27/03/2018).”

Outras decisões da Corte Superior aplicaram de pronto o precedente tomado no RE 574.706, determinando a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como impondo multa à Fazenda Pública, nos casos de insistência dos recursos, conforme depreende-se dos julgamentos dos processos n. RE 572.429/SP, RE 330.582/MG e RE 352.759/MG, cuja ata segue abaixo:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, com imposição de multa, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Ministro Luiz Fux. Presidência do Ministro Alexandre de Moraes.” Primeira Turma, 3.4.2018.

E se ainda existiam dúvidas acerca do prosseguimento natural e obrigatório sobre este tema, coube ao ilustre Ministro Celso de Mello esvaziá-las com a recente decisão proferida na ADC n. 18, publicada no dia 05.09.2018, ao julgar prejudicada a ação declaratória de constitucionalidade, destacando, com imperiosa clareza, em suas razões de decidir, que o fato de o precedente no “leading case” (RE 574.706/PR) ainda não haver transitado em julgado não impede que a decisão proferida pelo Plenário desta Suprema Corte em sede de repercussão geral produza, desde logo, todos os efeitos próprios de tal julgamento, devendo, por isso mesmo, os demais órgãos do Poder Judiciário fazer a aplicação imediata da diretriz consagrada no tema em questão.” (Grifamos)

 A decisão passou a ter aplicabilidade imediata, com o que, inclusive, também corrobora o  Superior Tribunal de Justiça, conforme segue demonstrado:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. MANUTENÇÃO DAS SÚMULAS 68 E 94 DO STJ. RESP. 1.144.469/PR, REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, REL. P/ ACÓRDÃO O MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.12.2016, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECENTE POSICIONAMENTO DO STF EM REPERCUSSÃO GERAL (RE 574.706/PR) EM SENTIDO CONTRÁRIO. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça reafirmou seu posicionamento anterior, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.144.469/PR, em que este Relator ficou vencido quanto à matéria, ocasião em que a 1a. Seção entendeu pela inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (Rel. p/acórdão o Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.12.2016, julgado nos moldes do art. 543-C do CPC).
2. Contudo, na sessão do dia 15.3.2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando o RE 574.706/PR, em repercussão geral, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, entendeu que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da Seguridade Social.
3. Dessa forma, não é caso de sobrestamento do feito, pois o Recurso Extraordinário já foi julgado pelo STF em sentido contrário à tese da parte agravante. Ademais, observa-se que não procede a aplicação de óbices processuais à análise do Agravo, pois a empresa impugnou a fundamentação da decisão agravada.
4. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL desprovido.”
(STJ - AgInt no AREsp 380698 / SP – Ministro Relator NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma        - DJe 28/06/2017).”

Com a leitura destes julgados, acima mencionados, nos parece clara e firme que o tema ora colocado em debate está definitivamente decidido no âmbito do poder judiciário.

Por derradeiro, muito também se tem discutido sobre qual o ICMS seria o correto para a composição do crédito de Pis e Cofins a ser recuperado, se o destacado na nota fiscal, ou se o efetivamente recolhido ao fisco estadual.

Neste sentido, com relação ao cálculo a ser adotado, para apuração do Pis e da Cofins sobre o ICMS, se a i) diferença entre o crédito de ICMS e seu débito, considerada a não-cumulatividade natural do tributo, sendo a base de cálculo o valor efetivo de ICMS a recolher aos cofres públicos; ou ii) o ICMS escritural destacado na nota fiscal, no faturamento da mercadoria ou serviço, ou seja, o ICMS integral da saída.

A questão parece óbvia pela segunda hipótese, pois se estamos falando de faturamento, base de cálculo do Pis e da Cofins, e dentro deste o que está contido é o ICMS da saída, e sobre este que monetariamente incide as contribuições em comento, é sobre o ICMS da saída que deve ser apurado o Pis e a Cofins a recuperar, para a quantificação da inconstitucionalidade sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Analisando tecnicamente a dúvida, temos que nos filiar ao que designado no acórdão do RE n. 574.706, e neste sentido esta decisão foi cristalina ao não somente declarar a inconstitucionalidade do ICMS dentro da base de cálculo do Pis e da Cofins, mas ao estabelecer que o ICMS a ser considerado para apuração do Pis e Cofins a recuperar é o constante da nota fiscal, que efetivamente “compõe” o faturamento.

Tal entendimento ficou assentado no voto da Ministra Carmen Lúcia, relatora para o leading case, o qual foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, e ministros Luís Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Melo.

Vejamos alguns trechos:

“...
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS.
3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.
...
Essa forma escritural de cálculo do ICMS a recolher baseia-se na verdade matemática segundo a qual a ordem dos fatores não altera o resultado. É igualmente verdadeiro que também o momento das diferentes operações não pode alterar o regime de aplicação de tributação, num sistema que, quanto a esse caso, se caracteriza pela compensação para se chegar à inacumulatividade constitucionalmente qualificadora do tributo.
9. Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.
Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação, afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Contudo, é inegável que o ICMS respeita a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública.
10. Com esses fundamentos, concluo que o valor correspondente ao ICMS não pode ser validamente incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.” (Grifo nosso)

Desta forma, a literalidade dos termos do acórdão não nos parece deixar dúvidas de que para a apuração do crédito de Pis e Cofins a recuperar, terá como base de cálculo o ICMS que compõe o faturamento, sendo indiferente o crédito escritural que posteriormente poderá ser compensado, em operação futura.

Em suma, as discussões trazidas à baila sobre o tema no âmbito nacional, ao que parece, estão eivadas de equívocos latentes, conforme se buscou demonstrar neste artigo.

Fonte:Publicado em 08/07/2019

Por Gleison Machado Schütz sócio-diretor da Machado Schütz & Heck Advogados Associados

EXCLUSÃO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL

Os Estados concedem benefícios fiscais de ICMS a favor de determinada categoria de atividade e de contribuinte, tais como isenção, diferimento e redução da base de cálculo, visando a redução da carga tributária incidente nas operações praticadas que envolvam a circulação de mercadorias e serviços.

Esses benefícios fiscais são chamados de créditos presumidos, que possuem a finalidade de trazer vantagens tanto para as empresas quanto para os Estados. Os contribuintes se beneficiam com a redução da carga tributária de mercadorias essenciais à sociedade e a possibilidade de investir em estratégias para o crescimento do seu negócio. Já os Estados, ao oferecerem incentivos fiscais para atrair empresas para a sua região, asseguram o desenvolvimento da economia local. 

Ocorre que a União Federal exige que os créditos presumidos de ICMS previstos nas legislações estaduais e utilizados pelos contribuintes sejam adicionados à base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL) contrariando frontalmente o conceito de acréscimento patrimonial definido pelo Supremo Tribunal Federal.

O artigo 46[i] do Código Tributário Nacional estabelece que o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição de renda e proventos, ou seja, a obtenção de lucro.

Portanto, o fato gerador do IRPJ e da CSLL deve corresponder à renda que configure acréscimo patrimonial/lucro do contribuinte.

Importa salientar que ao exigir que o crédito presumido de ICMS seja incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, contrariando o conceito de renda e lucro, a União Federal está tributando e retirando o benefício fiscal concedido pelos Estados, conforme sublinhado pela Ministra Regina Helena Costa:

Com a devida vênia, ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.[ii]

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar em sede de repercussão geral o RE 574.706/PR[iii], definiu que o valor de ICMS não incorpora o patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.

Dessa forma, a Corte Constitucional estabeleceu que somente incidirá tributos sobre a renda e valores que correspondam ao lucro da empresa, ou seja, não poderá compor a base de cálculo de outros tributos.

Em face deste entendimento, os créditos presumidos de ICMS devem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, visto que não configuram acrescimento patrimonial.

Leandro Paulsen[iv] afirma que nem todo ingresso financeiro deflagra o fato gerador do IRPJ/CSLL, por conseguinte, meros ajustes contábeis (crédito presumido de ICMS) não podem ser considerados ingresso patrimonial.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento Embargos de Divergência em RESP n. 1.517.492/PR, reconheceu o direito dos contribuintes determinando que os créditos presumidos de ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.

I – Controverte-se acerca da possibilidade de inclusão de crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

(...)

XII – O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceito legais, aumentando o preço final dos produtos que especifica, integrantes da cesta básica nacional.

XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.

XIV – Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/09, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços. XV – O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.

XVI – Embargos de Divergência desprovidos

Portanto, os créditos presumidos de ICMS, concedidos no contexto de incentivo fiscal pelos Estados, não podem integrar a base de cálculo do IPRJ e da CSLL.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região segue a orientação adotada pelo STJ, trazendo importante contribuição sobre no tema no julgamento do processo n. 5019562-78.2017.4.04.7205:

O incentivo fiscal concedido por meio de crédito presumido de ICMS não constitui receita tributável e, via de consequência, também não pode ser contemplado para apuração do lucro da pessoa jurídica.

Isto porque cuida-se de renúncia fiscal efetuada pelos Estados-Membros, a fim de incentivar o desenvolvimento de determinados setores da economia, gerando importantes reflexos financeiros e sociais para o desenvolvimento do próprio Estado.

Com efeito, se os créditos presumidos de ICMS não constituem receita da pessoa jurídica, a tributação não pode incidir sobre uma base superior às reais manifestações de capacidade econômica da empresa impetrante.

Ademais, permitir o seu enquadramento no conceito de receita, para fins de incidência das aludidas exações, implicaria admitir que a União interferisse, com a tributação, em matéria privativa dos estados, limitando a eficácia do benefício fiscal oferecido pelo Estado.

De fato, a incorporação do crédito presumido à base de cálculo dos tributos federais acarreta um desfalque em seu valor numérico, na medida em que uma parcela das importâncias ressarcidas será amealhada aos cofres da União Federal.

Nesse contexto, tem-se que os valores provenientes do crédito presumido de ICMS não podem ser alcançados pelo IRPJ e pela CSLL, pois não constituem renda, lucro ou acréscimo patrimonial.

Recentemente a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[v] sedimentou de maneira unânime o entendimento de que há fundamento legal para a exclusão de créditos presumidos de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Nessa esteira, o reconhecimento do direito do contribuinte de excluir os créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL está em sintonia com o conceito definido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 574. 706/PR, de que a receita bruta corresponde aos valores que acrescem o patrimônio da empresa.

Por fim, a coerência, que deve nortear o sistema tributário, não permite que os créditos presumidos de ICMS, benefícios fiscais que têm o objetivo de alavancar a economia regional e implicam perda de receita dos Estados, possam gerar enriquecimento da União ao serem adicionados à base de incidência do IRPJ e da CSLL, devendo os créditos presumidos de ICMS serem excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.


[i] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

[ii] Embargos de Divergência em RESP n. 1.517.492/PR – Dje 01/02/2018.

[iii] RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. (RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017).

[iv] Constituição e Código Tributário Comentados: A Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 18ª Ed., 2017, pg. 781.

[v] Processo n. 11080.731977/2013-79

Fonte:

Por Anelise Flores Gomes, Advogada da Machado Schütz & Heck Advogados Associados.
Publicado em 29/05/2019

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