sábado, 4 de abril de 2020

A EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS E OS REFLEXOS DA DECISÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 574.706

Tema que tem sido objeto de muitos debates no cenário nacional, trata dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à “Exclusão do ICMS da base de Cálculo do Pis e da Cofins”.

Tal discussão que traz como questão nuclear saber se o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços compõe o conceito de faturamento ou não, para fins de composição da base de cálculo - faturamento - do Pis e Cofins, aguardou por mais de 15 anos uma resposta do Judiciário, que veio a ser dada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, em 15 de março de 2017, pelo plenário da Corte Suprema.

Ocorre que, mesmo após referido julgamento a definitividade da decisão proferida no Recurso Extraordinário acima mencionado tem suscitado inúmeros debates entre tributaristas, contadores e administradores.

Importa neste prisma, destacar que a decisão do STF foi proferida em repercussão geral.

Pois bem, a primeira premissa a ser analisada no presente caso certamente passa pela análise de quais efeitos uma decião proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em status de repercussão geral, traz ao mundo jurídico.

Cabe neste sentido, então, a conceituação do que representa a Repercussão Geral.

Este instituto, inovação de substancial relevância para a segurança jurídica das decisões emanadas no judiciário brasileiro, foi trazida e consolidada na reforma do Código de Processo Civil de 2007, tendo como pano de fundo e principal objetivo a uniformização do julgamento de temas com representatividade nacional, visando trazer uma resposta definitiva à sociedade às discussões judicializadas e julgadas com este status.

Assim, quando um recurso extraordinário é submetido a julgamento pelo plenário do STF em repercussão geral, finalizado o julgamento de mérito da causa há de se ter este como definitivo, nos limites estabelecidos no acórdão proferido pelos ministros da corte, trazendo vinculação imediata no mundo jurídico. Não poderia ser diferente, pois ao ser criada – repercussão geral - buscou trazer aos julgamentos do judiciário não somente eficiência, mas segurança jurídica aos temas a ela submetidos, segurança esta que deve trazer um caráter definitivo.

Este caráter definitivo pode melhor ser entendido nos termos do artigo 1.040, e incisos, do Código de Processo Civil, que nos prescreve o seguinte:

“Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.”

O ilustre tributarista e parecerista Kiyoshi Harada, ao escrever artigo sobre “Efeitos do Recurso Extraordinário com Reconhecimento de Repercussão Geral”, traz importante contribuição sobre o tema ao afirmar que há “uma nítida tendência da doutrina e da jurisprudência em conferir eficácia ultra-autos à decisão de mérito proferida pelo STF declarando a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de determinada norma legal, substituindo a outrora vigente teoria da subjetivação do Recurso Extraordinário pela teoria da objetivação desse recurso, buscando a antecipação do efeito vinculante de suas decisões em matéria de controle de constitucionalidade pelo sistema de controle difuso. Afinal, não há diferença de ordem substancial entre a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma pelo sistema de controle concentrado e abstrato, e aquela que resulta da declaração incidentum tantum, salvo o procedimento que difere num e noutro caso. Seria um desperdício de tempo e de recursos financeiros os órgãos da Receita Federal do Brasil e órgãos equivalentes nas esferas estaduais e municipais continuarem, por exemplo, autuando os contribuintes por falta de pagamento de tributo considerado inconstitucional pelo STF em sede de Recurso Extraordinário onde se reconheceu a Repercussão Geral. Seria levar às últimas consequências o formalismo da suspensão da norma fulminada pela Resolução do Senado Federal. E isso, certamente, não consultaria ao interesse público que deve ser aferido à luz do princípio da razoabilidade. Entre a comunicação da decisão de inconstitucionalidade expedida pela Corte Suprema e edição da Resolução do Senado Federal suspendendo a norma considerada inconstitucional, salvo prevaricação da autoridade legislativa, não deve decorrer muito tempo.”

Em tratando-se de matéria tributária, nota-se que, tecnicamente, o posicionamento fixado pelo STF em repercussão geral não está adstrito à confirmação ou revisão por qualquer outro órgão, seja ele administrativo no âmbito das fazendas federal, estadual ou municipal, ou ainda, pelos órgãos inferiores do judiciário, representado pelos tribunais regionais federais ou tribunais de justiça. Hierarquicamente, a decisão da Corte Suprema do Judiciário está uníssona no topo mais alto da pirâmide, e daí, seu substancial caráter de definitividade.

No caso do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins, após o julgamento do Recurso Extraordinário de nº 574.706, finalizado em 15.03.2017, o STF firmou o tema 69 consignando expressamente que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins", sendo lavrada em 16.03.2017 a certidão de julgamento referente à sessão do Plenário.

Não se desconhece que diante deste julgamento a União Federal apresentou o recurso denominado Embargos de Declaração, onde busca com fundamentos legais vazios a modulação de efeitos da supra decisão.

Com uma análise perfunctória do contexto formado no recurso extraordinário citado, há uma conclusão muito clara de que, tecnicamente, torna-se impossível a probabilidade de qualquer modificação do julgamento proferido no RE 574.706, frente ao conteúdo trazido nos votos dos ministros julgadores, em especial da ministra Carmen Lúcia, que espancou o estudo da matéria, pautada unicamente na ótica da constitucionalidade. Desta forma, não existe substrato técnico para acolhimento do Embargos de Declaração propostos pela União.

Cabe ressaltar, também, que o pedido de modulação de efeitos não pode ser acolhido pelo quesito “histórico de posicionamento” do STF sobre a matéria, pois o tema em testilha já havia sido enfrentado em outubro de 2014 no julgamento do recurso extraordinário nº 240.785, onde por relatoria do ministro Marco Aurélio de Melo já restara definido o posicionameto no plenário da corte, pela exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins. Outrossim, não cabe à União a alegação de previsão orçamentária, pois este RE já sinalizava, lá no ano de 2007, uma vitória do contribuinte, e somente agora, o Governo Federal vem atentar-se para o impacto no orçamento?

Reitera-se taxativamente o caráter definitivo da conclusão deste tema no judiciário, corroborado já por inúmeras manifestações do próprio Supremo Tribunal Federal, após o julgamento do leading case em março de 2017.

Tal pode ser verificado no RE 463.152, decisão publicada em 17/03/2018, de relatoria do ministro Marco Aurélio de Melo:

“DECISÃO COFINS E PIS – BASE DE CÁLCULO – ICMS – EXCLUSÃO – PRECEDENTES: RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 240.785/MG, PLENO, RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, ACÓRDÃO PUBLICADO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA DE 8 DE OUTUBRO DE 2014 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 574.706/PR, PLENO, RELATORA MINISTRA CARMÉN LÚCIA, ACÓRDÃO PUBLICADO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA DE 2 DE OUTUBRO 2017 – PROVIMENTO.
Afasto o sobrestamento anteriormente determinado. Conforme consignado, a sistemática prevista no artigo 1.040, do Código de Processo Civil, determina, a partir da publicação do acórdão paradigma, a observância do entendimento do Plenário, formalizado sob o ângulo da repercussão geral.
O Supremo, no recurso extraordinário nº 240.785/MG, de minha relatoria, concluiu, em 8 de outubro de 2014, o julgamento da controvérsia versada neste processo, proclamando, por maioria de votos – 7 a 2 –, a não inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da COFINS. O entendimento foi confirmado pelo Pleno, sob o ângulo da repercussão geral, quando do exame do recurso extraordinário nº 574.706-9/PR, relatora a ministra Cármen Lúcia. Na sessão de 15 de março de 2017, foi aprovada a seguinte tese “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”. Eis a síntese do acórdão, publicado no Diário da Justiça de 2 de outubro de 2017: (…)
Provejo o extraordinário para determinar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, reconhecendo ainda o direito de a contribuinte reaver, mediante compensação, os valores já recolhidos e não prescritos, devidamente corrigidos. Sob o ângulo da atualização, observem o mesmo índice utilizado pela Receita na cobrança do tributo. Ficam invertidos os ônus da sucumbência. (…)” (RE 463152, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 19/03/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 26/03/2018 PUBLIC 27/03/2018).”

Outras decisões da Corte Superior aplicaram de pronto o precedente tomado no RE 574.706, determinando a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como impondo multa à Fazenda Pública, nos casos de insistência dos recursos, conforme depreende-se dos julgamentos dos processos n. RE 572.429/SP, RE 330.582/MG e RE 352.759/MG, cuja ata segue abaixo:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, com imposição de multa, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Ministro Luiz Fux. Presidência do Ministro Alexandre de Moraes.” Primeira Turma, 3.4.2018.

E se ainda existiam dúvidas acerca do prosseguimento natural e obrigatório sobre este tema, coube ao ilustre Ministro Celso de Mello esvaziá-las com a recente decisão proferida na ADC n. 18, publicada no dia 05.09.2018, ao julgar prejudicada a ação declaratória de constitucionalidade, destacando, com imperiosa clareza, em suas razões de decidir, que o fato de o precedente no “leading case” (RE 574.706/PR) ainda não haver transitado em julgado não impede que a decisão proferida pelo Plenário desta Suprema Corte em sede de repercussão geral produza, desde logo, todos os efeitos próprios de tal julgamento, devendo, por isso mesmo, os demais órgãos do Poder Judiciário fazer a aplicação imediata da diretriz consagrada no tema em questão.” (Grifamos)

 A decisão passou a ter aplicabilidade imediata, com o que, inclusive, também corrobora o  Superior Tribunal de Justiça, conforme segue demonstrado:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. MANUTENÇÃO DAS SÚMULAS 68 E 94 DO STJ. RESP. 1.144.469/PR, REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, REL. P/ ACÓRDÃO O MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.12.2016, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECENTE POSICIONAMENTO DO STF EM REPERCUSSÃO GERAL (RE 574.706/PR) EM SENTIDO CONTRÁRIO. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça reafirmou seu posicionamento anterior, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.144.469/PR, em que este Relator ficou vencido quanto à matéria, ocasião em que a 1a. Seção entendeu pela inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (Rel. p/acórdão o Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.12.2016, julgado nos moldes do art. 543-C do CPC).
2. Contudo, na sessão do dia 15.3.2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando o RE 574.706/PR, em repercussão geral, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, entendeu que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da Seguridade Social.
3. Dessa forma, não é caso de sobrestamento do feito, pois o Recurso Extraordinário já foi julgado pelo STF em sentido contrário à tese da parte agravante. Ademais, observa-se que não procede a aplicação de óbices processuais à análise do Agravo, pois a empresa impugnou a fundamentação da decisão agravada.
4. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL desprovido.”
(STJ - AgInt no AREsp 380698 / SP – Ministro Relator NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma        - DJe 28/06/2017).”

Com a leitura destes julgados, acima mencionados, nos parece clara e firme que o tema ora colocado em debate está definitivamente decidido no âmbito do poder judiciário.

Por derradeiro, muito também se tem discutido sobre qual o ICMS seria o correto para a composição do crédito de Pis e Cofins a ser recuperado, se o destacado na nota fiscal, ou se o efetivamente recolhido ao fisco estadual.

Neste sentido, com relação ao cálculo a ser adotado, para apuração do Pis e da Cofins sobre o ICMS, se a i) diferença entre o crédito de ICMS e seu débito, considerada a não-cumulatividade natural do tributo, sendo a base de cálculo o valor efetivo de ICMS a recolher aos cofres públicos; ou ii) o ICMS escritural destacado na nota fiscal, no faturamento da mercadoria ou serviço, ou seja, o ICMS integral da saída.

A questão parece óbvia pela segunda hipótese, pois se estamos falando de faturamento, base de cálculo do Pis e da Cofins, e dentro deste o que está contido é o ICMS da saída, e sobre este que monetariamente incide as contribuições em comento, é sobre o ICMS da saída que deve ser apurado o Pis e a Cofins a recuperar, para a quantificação da inconstitucionalidade sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Analisando tecnicamente a dúvida, temos que nos filiar ao que designado no acórdão do RE n. 574.706, e neste sentido esta decisão foi cristalina ao não somente declarar a inconstitucionalidade do ICMS dentro da base de cálculo do Pis e da Cofins, mas ao estabelecer que o ICMS a ser considerado para apuração do Pis e Cofins a recuperar é o constante da nota fiscal, que efetivamente “compõe” o faturamento.

Tal entendimento ficou assentado no voto da Ministra Carmen Lúcia, relatora para o leading case, o qual foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, e ministros Luís Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Melo.

Vejamos alguns trechos:

“...
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS.
3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.
...
Essa forma escritural de cálculo do ICMS a recolher baseia-se na verdade matemática segundo a qual a ordem dos fatores não altera o resultado. É igualmente verdadeiro que também o momento das diferentes operações não pode alterar o regime de aplicação de tributação, num sistema que, quanto a esse caso, se caracteriza pela compensação para se chegar à inacumulatividade constitucionalmente qualificadora do tributo.
9. Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.
Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação, afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Contudo, é inegável que o ICMS respeita a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública.
10. Com esses fundamentos, concluo que o valor correspondente ao ICMS não pode ser validamente incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.” (Grifo nosso)

Desta forma, a literalidade dos termos do acórdão não nos parece deixar dúvidas de que para a apuração do crédito de Pis e Cofins a recuperar, terá como base de cálculo o ICMS que compõe o faturamento, sendo indiferente o crédito escritural que posteriormente poderá ser compensado, em operação futura.

Em suma, as discussões trazidas à baila sobre o tema no âmbito nacional, ao que parece, estão eivadas de equívocos latentes, conforme se buscou demonstrar neste artigo.

Fonte:Publicado em 08/07/2019

Por Gleison Machado Schütz sócio-diretor da Machado Schütz & Heck Advogados Associados

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