O Funrural tem sido tema corrente em nossa coluna do Direito do Agronegócio. Em abril deste ano tivemos oportunidade de tratar das implicações da decisão do Supremo no RE 718.874/RS-RG, onde já havíamos anunciado que inexistia uma solução definitiva, cabendo aguardar novos capítulos.
O novo capítulo chegou! Trata-se da Resolução 15/2017 do Senado Federal, nos seguintes termos:
“Art. 1º É suspensa, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do artigo 12 da Leiº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a execução do art. 1º da Leiº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao artigo 12, inciso V, ao art. 25, incisos I e II, e ao artigo 30, inciso IV, da Leiº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Leiº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852.”
Por esta resolução, portanto, há suspensão da execução do inciso VII do artigo 12, da Lei 8.212/1991, bem como artigo 1º, Lei 8.540/92, que deu nova redação ao artigo 12, V, 25, incisos I e II, artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991, com a redação atualizada até a Lei 9.528/97, por força decisão definitiva pelo pleno do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 363.852 (“caso Mataboi”).
Antes de analisarmos os efeitos e implicações jurídicas no tocante ao próprio Funrural, algumas ponderações a respeito do ato normativo denominado de resolução (artigo 59, VII, CF/88).
Como é de conhecimento, a origem do controle de constitucionalidade judicial no Direito Brasileiro se deu por influência americana, de tal sorte que qualquer juiz teria competência para afastar incidentalmente em um caso concreto uma lei por inconstitucionalidade, produzindo referida decisão efeito entre as partes (difuso; concreto; incidental).
Esta forma de controle, todavia, exigia que todo caso concreto fosse submetido ao Supremo Tribunal Federal, mesmo que este já tivesse posicionamento do seu pleno sobre a matéria.
Por esta razão houve a criação da Resolução, a partir da Constituição de 1934, com a finalidade de atribuir efeito “erga omnes” à decisão definitiva do plenário do Supremo Tribunal Federal, após comunicação deste àquela Casa Legislativa. Aliás, por esta razão não se tem a necessidade de resolução na hipótese de controle concentrado e abstrato de inconstitucionalidade, pois já possui efeitos erga omnes e vinculante, embora na atualidade até mesmo no difuso se possa discutir esta questão a partir dos novos institutos como súmula vinculante, repercussão geral, entre outros.
Atualmente, a Resolução está disciplinada no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, que enuncia ser de competência do Senado Federal: “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
O Senado Federal, assim, por sua conveniência e oportunidade, sem qualquer obrigatoriedade, após comunicação do Supremo Tribunal Federal, poderá editar resolução que terá o condão de suspender no todo ou em parte execução de lei declarada inconstitucional de forma definitiva, atribuindo efeito “erga omnes” (contra todos) para decisão que somente possuía vinculação às partes envolvidas. Com sua edição, por conseguinte, tem-se a vinculação de todos — inclusive Poder Executivo e Judiciário — aos efeitos de referido ato normativo.
Não se nega que a resolução possui limites, permitindo-se a suspensão da execução de lei declarada inconstitucional nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal, com vedação de qualque28r tentativa que ultrapasse tais lindes.
Esta observação é relevante para se firmar duas consequências jurídicas.
A primeira, quanto aos efeitos, pois, se a decisão do Supremo Tribunal Federal declarou uma lei inconstitucional, sem qualquer tipo de modulação, não pode o Senado restringir os efeitos, por exemplo, fixando a partir da publicação (ex nunc), pois estaria desrespeitando a própria decisão do Judiciário.
Bem por isso, os efeitos da resolução acompanham os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, podemos citar o Decreto 2.346/1997, o qual “Consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais, regulamenta os dispositivos legais que menciona, e dá outras providências”, dispondo em seu artigo 1º que:
“Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal.”
Possível notar que há previsão normativa expressa para que a Administração Pública, após edição de Resolução do Senado Federal quanto à declaração de inconstitucionalidade transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal, observe de forma obrigatória e uniforme. Mais do que isso, o Decreto é claro no sentido de que os efeitos da resolução seguem os mesmos da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, são retroativos (ex tunc) como regra, salvo se houver decisão expressa em sentido contrário.
Por outro lado, como segunda consequência no sentido de que o Senado deve ter como limite a decisão do Supremo Tribunal Federal podemos afirmar que somente os dispositivos julgados inconstitucionais pelo Judiciário podem ser objeto de suspensão pela Resolução. Aliás, o que deve o Senado verificar é a parte dispositiva da decisão do Supremo Tribunal Federal, não sendo a motivação que gera vinculação.
A partir de tais constatações, passamos à análise os efeitos da Resolução 15/2017 emitida pelo Senado Federal quanto ao Funrural. Para melhor compreensão dos efeitos, iremos segregar em duas situações, quais sejam: (i) o adquirente e a sub-rogação; e (ii) produtor rural pessoa física (contribuinte) e a própria contribuição.
Começando pelo adquirente, que, em tese, estaria submetido à sub-rogação prevista no artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991, qual a implicação da resolução?
Em artigo que publicamos nesta mesma coluna, já sustentamos expressamente que o Supremo Tribunal Federal declarou, formal e materialmente, o artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991, nos termos das Leis 8.540/92 e 9.528/97, inconstitucional, com efeito retroativo. Basta uma simples leitura da ementa e, principalmente, da parte dispositiva da decisão.
Seguindo o que o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu expressamente a Resolução suspende o artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991.
Daí surge a primeira indagação: houve extinção retroativa da sub-rogação? Como ficam os créditos tributários de Funrural exigidos em face dos adquirentes? E na atualidade? Subsiste a sub-rogação?
Com a inconstitucionalidade das Leis n. 8.540/92 e 9.528/97, o artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991, retorna à sua redação original, sem as alterações de referidas leis.
Por conseguinte, a sub-rogação desde 1992 somente tem validade para se exigir do adquirente, consignatário ou cooperativa no caso de aquisições de produtor rural pessoa física segurado especial. Para as operações com produtor rural empregador inexiste previsão legal para a sub-rogação até a presente data.
Sendo assim, até a presente data inexiste previsão legal (princípio da legalidade e artigo 128 do CTN), para se impor a sub-rogação. Aliás, há de se discutir inclusive se a lei ordinária poderia instituir a sub-rogação, pois, esta operação não está entre as hipóteses taxativas do artigo 130, do Código Tributário Nacional, de sorte que exigiria lei complementar (artigo 146, CF/88).
Em síntese, com a edição da Resolução 15/2017, que produz eficácia vinculante e erga omnes, com efeito retroativo, podemos afirmar: (i) todos os créditos de Funrural exigidos dos adquirentes por força da sub-rogação na aquisição de produtor rural pessoa física empregador devem ser anulados; (ii) não há previsão na atualidade lei válida e vigente impondo a sub-rogação (artigo 30, IV, da Lei 8.212/1991), no caso de aquisição de produtor rural pessoa física empregador.
Para finalizar, ainda, quanto à sub-rogação nada há de ser dito no tocante à Lei 10.256/2001, uma vez que esta em momento algum reinstitui ou trata da sub-rogação, cuidando somente do “caput” do artigo 25, da Lei 8.212/1991, além do fato de que a decisão que julgou referida lei constitucional pelo Supremo Tribunal Federal não trata de adquirente, não discutindo o artigo 30, IV, da Lei 8.212/91. Portanto, inexiste qualquer e aparente divergência entre a Resolução 15/2017 e o julgado no RE 718.874/RS-RG.
Já, por sua vez, na discussão em relação à própria contribuição denominada de Funrural incidente na comercialização do produtor rural pessoa física empregador (artigo 25, I e II, da Lei 8.212/1991), temos maior complexidade.
Em nossa visão, a problemática estará voltada a discutir se o julgamento do RE 363.852/MG (Mataboi) reconheceu a inconstitucionalidade formal e material dos incisos I e II, do artigo 25, da Lei 8.212/1991.
Explico.
Pois, se houve declaração de inconstitucionalidade dos incisos do artigo 25, da Lei 8.212/1991 em referido julgado, a suspensão de tais dispositivos normativos pela Resolução 15/2017 não possui qualquer inovação e contradição com a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Mas, há quem sustente que, diante da constitucionalidade formal e material do artigo 25, da Lei 8.212/1991, com a redação da Lei 10.256/2001 (artigo 2º), conforme RE n. 718.874/RS-RG, a contribuição denominada de Funrural continuaria em vigor, limitando os efeitos da Resolução 15/2017.
Se partirmos da premissa — a qual sustentamos — de que a decisão no caso Mataboi reconheceu a inconstitucionalidade dos incisos I e II, do artigo 25, da Lei 8.212/1991 e, por conseguinte, houve resolução do senado suspendendo referida legislação com efeito retroativo e eficácia vinculante e erga omnes, é preciso verificar se alguma lei posterior “reinstitui” por completo o Funrural para o produtor rural empregador pessoa física, especialmente, os incisos que disciplinam a base de cálculo e alíquota.
O artigo 2º, da Lei 10.256/2001 cumpre este papel? A declaração de constitucionalidade de referido dispositivo permite a cobrança da contribuição? Entendemos que não.
Esta interpretação é simples, a Lei 10.256/2001 (artigo 2º), somente trouxe o caput, não reinstituindo a base de cálculo e alíquotas, pois os incisos foram declarados inconstitucionais formal e materialmente pelo Supremo Tribunal Federal, o que não se pode negar, pois consta expressamente da decisão (ementa) e parte dispositiva. Sem os incisos que não vieram com a Lei 10.256/2001, inexiste possibilidade de exigência do Funrural diante da ausência de base de cálculo e alíquota, notadamente, com a edição da Resolução 15/2017.
Naturalmente, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem a função e o poder para “dar a última palavra”, que todos respeitaremos, todavia, se fechar os olhos para o que expressamente decidiu no RE 363.852 e os efeitos da Resolução 15/2007, sustentando que a Lei 10.256/2001 é a panaceia e salvação do Funrural, afirmará a tese de que o Judiciário cria tributo, em nítido ativismo judicial, o que não nos parece compatível com o espírito republicado e democrático
do tribunal, que há de sempre respeitar a Constituição.
Por Fábio Pallaretti Calcini
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